quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Segredo dos Roteiristas de Hollywood: A Jornada do Herói


Sinto muito, amiguinho. Preciso fazer uma terrível revelação: todas as histórias épicas do mundo já foram contadas, e não resta nada de 100% original na literatura, no cinema nem nos quadrinhos. E não adianta, caro fanboy, puxar sardinha para seu personagem favorito, pois isso não mudará nada, já que as coisas neste mundo são exatamente do jeito que professava o velho Chacrinha: "nada se cria, tudo se copia".

Alguns de vocês devem estar pensando que estou maluco, mas para embasar minhas afirmações, vou buscar respaldo na antropologia (calma, não vai ser chato, prometo). De acordo com estudiosos do assunto — sendo Joseph Campbell o mais conhecido — as únicas coisas que mudam de uma narrativa épica para outra são os cenários culturais e a forma com a qual a narrativa é contada. Já os arquétipos... ah, esses são sempre os mesmos!


Entendendo os Arquétipos

Não sabe o que são arquétipos? Vou (tentar) explicar: de acordo com a filosofia, eles seriam uma espécie de "molde", um primeiro modelo a partir do qual outros elementos semelhantes seriam criados. Abstrato demais e difícil de entender? Então pensemos juntos: você já reparou que todas aquelas sagas que tanto amamos (Star Wars, Senhor dos Anéis, Harry Potter...) são repleta de similaridades com mitologias e lendas milenares? Seria mera coincidência? De forma alguma!


Para ilustrar melhor este pensamento, escolho um exemplo bem simples: a origem do Superman. Nascido no distante planeta Krypton, o pequeno Kal-El é salvo da destruição de seu planeta em um foguete construído por seu pai. A pequena nave o leva em segurança até a Terra, onde é adotado, cresce entre os humanos sem todavia ser um deles e, de quebra, ainda se torna "o maior heróis da Terra".


Todo mundo conhece essa história, não é? Pois agora vou compará-la com a "origem secreta" de outro herói que muitos devem conhecer: Moisés, o bíblico libertador do povo de Israel. Olha só: quando os egípcios começaram a matar os filhos dos israelitas, o bebê Moisés foi colocado por sua mãe sobre as águas do rio Nilo no interior de um cesto impermeabilizado com betume. Seguindo a correnteza, o garoto acaba sendo encontrado pela filha do Faraó, que o adota. Moisés, embora israelita, cresce entre egípcios, e na idade adulta se torna o libertador de seu povo.

Sacou agora o lance dos arquétipos? As histórias são diferentes, mas ambas têm a mesma estrutura. No caso do Superman, essa similaridade pode ter sido proposital, já que Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do azulão, eram judeus. Até mesmo o nome kryptoniano do herói (Kal-El) seria derivado da língua hebraica, significando algo como "Amigo de Deus".

A Jornada do Herói

Agora que compreendemos os arquétipos, vamos falar um pouco sobre a Jornada do Herói, também chamada "Monomito". Este é o nome dado em 1949 por Joseph Campbell ao ciclo de doze situações arquetípicas pelas quais praticamente todos os heróis mitológicos passam no decorrer de suas sagas — e que, pasme, constitui a base de praticamente todos os grandes filmes de Hollywood.


Aliás, já que George Lucas foi o primeiro cineasta a admitir publicamente a importância do trabalho de Joseph Campbell sobre sua obra cinematográfica (chamando-o inclusive de “Meu Yoda”) , utilizaremos Star Wars como parâmetro para explicar cada uma das estações da Jornada. Vamos lá?

1) Mundo Comum: aqui vemos o herói insatisfeito em seu mundinho cotidiano. Na saga de Lucas, esta estação é representada na apresentação do personagem Luke Skywalker, um jovem fazendeiro do desértico planeta Tatooine que anseia por se juntar à Rebelião para lutar contra o Império.

2) O Chamado da Aventura: a rotina do Mundo Comum é quebrada por um acontecimento inusitado, e isto desafia o herói a partir em uma aventura. Em nosso exemplo, Luke encontra no deserto dois dróides que trazem um pedido de socorro da parte da princesa Leia Organa.

3) Encontro com o Mentor: o herói encontra uma pessoa bem mais experiente que tenta convencê-lo a embarcar na aventura, oferecendo para isso treinamento e auxílio “sobrenatural”. É como Luke encontrando Obi Wan Kenobi, o verdadeiro destinatário da mensagem dos dróides: o velho Jedi oferece treinamento e tenta convencer o rapaz a se juntar a ele na luta contra o Império.

4) Recusa do Chamado: em um primeiro momento, o herói recusa o desafio, geralmente por temer as consequências desta atitude em sua vida. E olhem só, Luke recusa o treinamento oferecido por Obi Wan por não querer abandonar os tios, já que ambos são idosos e vivem em um local remoto.

5) Cruzamento do Primeiro Portal: este é o ponto a partir do qual não há mais retorno: o herói é literalmente obrigado a seguir em frente em sua jornada. Imagine-se na pele de Luke ao chegar em casa e encontrar todos mortos, sinta a indignação que o impulsiona a prosseguir e aceitar o chamado anteriormente recusado: o primeiro portal foi transposto.

6) Provações, aliados e inimigos: enquanto aprende as regras que terá que seguir em sua jornada, o herói enfrenta perigos que testam sua determinação. Neste processo, ele encontra aliados e também inimigos. Lembra da cena da Cantina de Star Wars? É quando o caipira Luke encontra a dupla Han Solo e Chewbacca… e logo depois, acontece o primeiro embate com as forças do Império!

7) Aproximação: o herói se aproxima do inimigo, obtendo alguns êxitos, mas precisa ficar atento, pois o inimigo está à espreita pronto para destrui-lo. Em Star Wars, podemos dizer que esta fase é especificamente representada pelo momento onde a Millenium Falcon é sugada pelo raio trator da Estrela da Morte, onde o vilão Darth Vader mantém a princesa Leia como prisioneira.

8) Provação difícil ou traumática: chegamos a um momento de vida ou morte, do qual o herói escapa por um triz. Em nosso exemplo, Luke e seus companheiros vão parar no compactador de lixo da Estrela da Morte, sendo que o herói é capturado por uma criatura aquática que lá vivia, ficando submerso por vários minutos. Não se sabe se o herói morreu ou não, e isso humaniza o personagem. Somos, neste ponto, lembrados a respeito de nossos próprios medos, em especial, o da morte.

9) Recompensa: ao ressuscitar simbolicamente na estação anterior, o herói vence o medo e é recompensado com o “Elixir” (que pode ser um item mágico ou até mesmo uma habilidade). Ainda no episódio IV, Luke escapa da Estrela da Morte com seus companheiros e se une à Aliança Rebelde, levando consigo os planos que possibilitarão a destruição da Estrela da Morte.

10) O Caminho de Volta: após tantas aventuras nosso herói, agora renascido e completamente modificado, deve retornar a seu mundo cotidiano… mas sempre às custas de sacrificar algo — ou alguém — muito importante. O herói invadiu um mundo que não é propriamente o seu, e deve pagar pelo desequilibro causado nas forças antagonistas. Em Star Wars, Obi Wan se sacrifica para que os heróis possam escapar. Mais tarde, no derradeiro ataque à Estrela da Morte, diversos amigos de Luke morrem durante a batalha espacial.

11) Ressurreição: o herói enfrenta as forças das trevas, e deve usar tudo o que aprendeu durante a sua jornada. Geralmente, é o momento mais emocionante da história, durante o qual o vilão é derrotado de uma vez por todas. No filme, Darth Vader persegue Luke enquanto o mesmo tenta destruir a Estrela da Morte.

12) Regresso com o Elixir: O herói finalmente retorna a sua vida comum, mas leva consigo o "elixir", que pode tanto ser um item arrancado das garras das sombras ou, como no caso de Star Wars, o conhecimento e a transformação que a aventura causa no protagonista. Vemos Luke, Solo e Chewbacca sendo condecorados e tratados como heróis pelos líderes rebeldes, e percebemos que toda a aventura valeu à pena, pois a Galáxia tem novamente uma chance de se libertar do jugo do Império.

Conclusão

Impressionante, não? Os arquétipos da Jornada do Herói podem ser utilizados com sucesso por escritores para a elaboração de inesquecíveis e emocionantes obras artísticas.

Quer um conselho? Da próxima vez em que for assistir a uma nova produção Hollywoodiana, tente só por diversão identificar no roteiro algumas das estações da Jornada do Herói. Você perceberá que nem sempre serão utilizadas todas as fases, e que nem sempre a ordem que apresentei aqui será seguida da mesma forma.

Todavia, será fácil perceber que os escritos de Campbell são como uma excelente receita de bolo: está tudo escrito lá, mas os resultados finais só dependem da mão do cozinheiro!



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